Em
entrevista exclusiva ao Boletim do Meio Ambiente (BMA),Sebastião Raulino fala
sobre o livro considerado por ele um marco para o Fórum dos Atingidos pela
Indústria do Petróleo e Petroquímica nas cercanias da Baía de Guanabara (FAPP-BG):
“50 anos da refinaria Duque de Caxias e a
expansão da indústria petrolífera no Brasil – conflitos socioambientais no Rio
de Janeiro e desafios para o país na era do pré-sal”. Lançado em outubro, a
publicação reuniu pesquisadores, ONG’s e representantes de movimentos sociais num
clima de coroação de um trabalho de resistência e mobilização em torno da questão
dos impactos do petróleo. Segundo Raulino, a publicação traz foi um balanço de degradação ambiental que
atingiu o ecossistema da Baía de
Guanabara e sua vizinhança com a instalação da Refinaria Duque de Caxias (
REDUC) e o investimento estatal e
privado na indústria do petróleo e petroquímica posterior na região. Alto
investimento, de alto retorno também, porém com um baixo investimento em
infraestrutura urbana”. E ainda trouxe a tona de forma categórica sua opinião
sobre a dúvida mais persistente para militantes e acadêmicos: “É possível haver
justiça ambiental no sistema capitalista?”.
BMA - Qual é o Balanço de 50
anos de REDUC?
Sebastião
Raulino - A refinaria foi construída
numa área considerada pobre, em Duque de Caxias, na Região Metropolitana do Rio
de Janeiro. Está na quarta posição no ranking nacional de produção de
combustível. É a mais completa e a mais complexa do sistema Petrobrás. Ela é complexa
porque é antiga e foi atualizada aos poucos com tecnologias diferentes. E é
completa porque produz desde combustíveis até variados derivados. Logo, o
gerenciamento é difícil e arriscado pelos diferentes tipos de tecnologia. A
população que vive em volta está sujeita a acidentes e a poluição cotidiana que
pode afetar a saúde das pessoas de forma desconhecida porque não há estudo para
isso e uma assistência de saúde específica.
Além disso, no entorno da refinaria e do Pólo
Petroquímico criado com o tempo, você tem o trânsito de caminhões circulando
com materiais perigosos que cria outra situação de risco. Caxias já chegou a
ter o segundo maior PIB do Estado, já chegou a ter o sexto maior PIB nacional -
depois desceu para décimo quinto; Não porque empobreceu, mas cresceu menos que
outros municípios. No entanto, o índice de desenvolvimento humano é baixíssimo.
A meu ver, o que ocorreu foi um balanço de degradação ambiental, atingindo o
ecossistema Baía de Guanabara. O trabalhador não possui água nem saneamento. O
transporte é precário, não tem assistência à saúde. Para os moradores antigos, o
cenário é de perdas, seja de áreas de lazer, ou ambientes sadios. Para quem veio
depois, resta viver precariamente ao lado de uma produtora de riqueza muito
grande, a REDUC, porém com sua riqueza distribuída desigualmente.
BMA - Qual é a importância desse
livro para a formação e a luta dos movimentos sociais?
SR - Eu vejo vários pontos de
importância. O primeiro deles é a sistematização de tudo aquilo que foi
discutido desde a criação do Fórum e os intercâmbios feitos em âmbito de Rio de
Janeiro e Brasil. Em breve será disponibilizado gratuitamente na internet
visando atingir o maior número de pessoas, assim, aqueles que não convivem com
a indústria terão uma noção de como é viver perto desses empreendimentos
indesejáveis. Além da reflexão sobre o que é implantação da indústria, e, dessa
forma, está preparado para sua implantação. Uma forma de articulação e se unir
com outros grupos. É um marco para o Fórum como realização de uma de nossas
agendas, nos dando força.
BMA –A Petrobrás é muitas vezes
marcada por constantes acidentes, vazamentos em plataformas, desrespeito as populações
e crimes ambientais. A direita do país aproveita para levantar a bandeira da
privatização da empresa. Para o meio ambiente, na sua avaliação, é melhor uma
Petrobras pública ou privada?
SR - Refletir sobre Petrobras é
como discutir sobre futebol, Airton Senna... Devido a toda mobilização na construção
da campanha “O petróleo é nosso”. É orgulho nacional. Do jeito que a Petrobras
está hoje ela já está bastante “privatizada”, no sentido das ações da empresa.
Com empresas privadas atuando, o controle social fica mais difícil. Sindicatos
fortes também ficam mais difíceis de serem construídos. Para exploração de
petróleo é melhor uma Petrobras estatal, mas não podemos deixar de considerar
que ela é uma empresa muito grande e com um poder de influência violento nos
governos municipais e estaduais. Os questionamentos surgem quando vemos que há
dinheiro para novas tecnologias e para a exploração do Pré-Sal, mas não há
dinheiro para indenização de pescador, de agricultor. E dentro dela ainda há
grupos ligados a partidos diversos em gerências e chefias, indicados ainda no
período da ditadura ou por grupos que se sucederam no poder. Muitos controlam
áreas da empresa de forma insensíveis a essas questões.
BMA - Quais são as perspectivas
que o movimento social brasileiro deve ter em suas lutas a favor do meio
ambiente e contra as injustiças sociais?
SR - É uma pergunta muito
angustiante. Mas eu vejo uma perspectiva de crescimento, pois discussões como
nessa entrevista há dois anos praticamente não existiam e hoje temos grupos
organizados no Brasil, a exemplo do Fórum dos atingidos pela indústria do
Petróleo e Petroquímica no Espírito Santo que teve sua criação inspirada no
FAPP- BG. E esse livro é importante, pois reune casos de várias partes do
Brasil buscando discutir petróleo de maneira mais crítica.
BMA - É possível haver
Justiça Ambiental no sistema capitalista?
SR - Nesse ano, nós do FAPP-BG
organizamos o III Seminário de Justiça Ambiental, Igualdade Racial e Educação.
O professor e sociólogo Robert Bullard foi um dos participantes. Ele estudou o
movimento negro norte-americano desde os idos dos anos 60 numa época em que
eles começam a perceber que as indústrias perigosas e usinas nucleares se
localizavam perto dos pobres de maioria negra. O discurso governamental negava
essa contestação, mas a luta continuava em afirmar essas disparidades quanto à
distribuição dos empreendimentos indesejáveis no território estadunidense.
Já nos anos 80, Bullard fez uma
pesquisa com financiamento de uma igreja evangélica norte-americana – é
importante destacar que não foi nem governo e nem universidade que deu os
subsídios para essa pesquisa – com o intuito de avaliar a implantação de
empreendimentos indesejáveis nos EUA e o seu processo de instalação.
Observou-se uma grande “coincidência” na proximidade entre esses
empreendimentos e populações pobres de maioria negra -não apenas os pobres
recebiam os maiores danos, como os pobres de maioria negra recebiam quase duas
vezes mais que os pobres de maioria branca. Essa situação era construída pelo
próprio governo. Então cunharam a expressão “racismo ambiental”. Em 91,
organizaram um Colóquio com movimento negro, com sindicalistas, indígenas e
movimento ambiental onde se criou a noção de Justiça Ambiental e Injustiça
Ambiental.
Essa pergunta foi feita ao
professor Bullard num evento na UFRRJ de Nova Iguaçu, e ele respondeu
simplesmente: não. E de fato, para alcançarmos a justiça Ambiental é necessário
proteger as populações mais vulneráveis de todas – porque se você proteger a
classe média, ela desloca o risco para o pobre, por sua vez, se protegermos o
pobre ele irá deslocar o risco para os mais pobres, e assim, seguiria essa
tendência, caso protegêssemos os mais pobres, os miseráveis receberiam os
riscos – para que ocorresse uma subversão em que os mais vulneráveis
deslocassem os riscos para camadas com maior poder de organização, para então
se pensar uma alternativa. O movimento por Justiça Ambiental tem como preceito
para sustentabilidade a equidade social e justiça socioambiental. Ele entende
que tem que ter diálogo de igual para igual e respeito ao olhar cultural das
populações. Logo, o saber popular do indígena
ou camponês deve ser valorizado tanto quanto o saber científico.
BMA - Para você o que
substituiria o petróleo como matriz energética?
SR - A melhor maneira é discutir
o modelo que corresponda a cada contexto local. Se você tem um programa federal
de agro combustível, por exemplo, pode gerar vários impactos locais sem que a
população tenha participado da elaboração desse programa. Teve um projeto de
mamonas para produção de bicombustível no Maranhão que estava ameaçando a
cooperativa de quebradeiras de coco de babaçu que lutaram por muito tempo para
ter acesso às palmeiras. Há um entendimento que você tem que discutir o projeto
de energia com a participação de todos os impactados, além de pesquisadores
etc., para que esse projeto atenda as necessidades e peculiaridades do contexto
local. Conjugar isso sem tirar da mente perguntas como “Energia para que?”,
“Qual o modelo de desenvolvimento que nós queremos?”.
Outro exemplo, a energia eólica
se faz mais necessária de acordo com a demanda da comunidade, sem necessidade
de grandes geradores, mas de acordo com a demanda. Pode haver uma revenda de
energia para o sistema, mas não precisa ter fazendas eólicas que alteram o modo
de vida daquela população. Com a energia solar pode ser a mesma coisa. Há uma
experiência com energia solar em uma fazenda, mas as pessoas estão sendo
expulsas. A energia pode até ser mais limpa, porém a implantação é suja. A quem
essa energia vai servir? É para o aumento do consumismo, para atender
siderúrgica, petróleo? A implantação é viável do ponto de vista socioambiental?
Qual o modelo é a mais viável no contexto local? Para que vai servir essa
energia? Qual a participação da comunidade nesse projeto? Qual a participação
da sociedade brasileira na elaboração da política energética do país?
Sebastião Raulino
Doutor em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ), mestre em Ciência Ambiental (UFF), especialista em Educação para Gestão Ambiental (UERJ), licenciado em Ciência Biológicas e coordenador do Fórum dos Atingidos pela Indústria do Petróleo e Petroquímica nas cercanias da Baía de Guanabara (FAPP-BG)
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