segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

“É necessário proteger as populações mais vulneráveis”


            Em entrevista exclusiva ao Boletim do Meio Ambiente (BMA),Sebastião Raulino fala sobre o livro considerado por ele um marco para o Fórum dos Atingidos pela Indústria do Petróleo e Petroquímica nas cercanias da Baía de Guanabara (FAPP-BG): “50 anos da refinaria Duque de Caxias e a expansão da indústria petrolífera no Brasil – conflitos socioambientais no Rio de Janeiro e desafios para o país na era do pré-sal”. Lançado em outubro, a publicação reuniu pesquisadores, ONG’s e representantes de movimentos sociais num clima de coroação de um trabalho de resistência e mobilização em torno da questão dos impactos do petróleo. Segundo Raulino, a publicação traz  foi um balanço de degradação ambiental que atingiu o ecossistema da  Baía de Guanabara e sua vizinhança com a instalação da Refinaria Duque de Caxias ( REDUC) e o investimento estatal  e privado na indústria do petróleo e petroquímica posterior na região. Alto investimento, de alto retorno também, porém com um baixo investimento em infraestrutura urbana”. E ainda trouxe a tona de forma categórica sua opinião sobre a dúvida mais persistente para militantes e acadêmicos: “É possível haver justiça ambiental no sistema capitalista?”.

                BMA - Qual é o Balanço de 50 anos de REDUC?

                Sebastião Raulino - A refinaria foi construída numa área considerada pobre, em Duque de Caxias, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Está na quarta posição no ranking nacional de produção de combustível. É a mais completa e a mais complexa do sistema Petrobrás. Ela é complexa porque é antiga e foi atualizada aos poucos com tecnologias diferentes. E é completa porque produz desde combustíveis até variados derivados. Logo, o gerenciamento é difícil e arriscado pelos diferentes tipos de tecnologia. A população que vive em volta está sujeita a acidentes e a poluição cotidiana que pode afetar a saúde das pessoas de forma desconhecida porque não há estudo para isso e uma assistência de saúde específica.
                 Além disso, no entorno da refinaria e do Pólo Petroquímico criado com o tempo, você tem o trânsito de caminhões circulando com materiais perigosos que cria outra situação de risco. Caxias já chegou a ter o segundo maior PIB do Estado, já chegou a ter o sexto maior PIB nacional - depois desceu para décimo quinto; Não porque empobreceu, mas cresceu menos que outros municípios. No entanto, o índice de desenvolvimento humano é baixíssimo. A meu ver, o que ocorreu foi um balanço de degradação ambiental, atingindo o ecossistema Baía de Guanabara. O trabalhador não possui água nem saneamento. O transporte é precário, não tem assistência à saúde. Para os moradores antigos, o cenário é de perdas, seja de áreas de lazer, ou ambientes sadios. Para quem veio depois, resta viver precariamente ao lado de uma produtora de riqueza muito grande, a REDUC, porém com sua riqueza distribuída desigualmente.
                BMA - Qual é a importância desse livro para a formação e a luta dos movimentos sociais?

                SR - Eu vejo vários pontos de importância. O primeiro deles é a sistematização de tudo aquilo que foi discutido desde a criação do Fórum e os intercâmbios feitos em âmbito de Rio de Janeiro e Brasil. Em breve será disponibilizado gratuitamente na internet visando atingir o maior número de pessoas, assim, aqueles que não convivem com a indústria terão uma noção de como é viver perto desses empreendimentos indesejáveis. Além da reflexão sobre o que é implantação da indústria, e, dessa forma, está preparado para sua implantação. Uma forma de articulação e se unir com outros grupos. É um marco para o Fórum como realização de uma de nossas agendas, nos dando força.

                BMA –A Petrobrás é muitas vezes marcada por constantes acidentes, vazamentos em plataformas, desrespeito as populações e crimes ambientais. A direita do país aproveita para levantar a bandeira da privatização da empresa. Para o meio ambiente, na sua avaliação, é melhor uma Petrobras pública ou privada?

                SR - Refletir sobre Petrobras é como discutir sobre futebol, Airton Senna... Devido a toda mobilização na construção da campanha “O petróleo é nosso”. É orgulho nacional. Do jeito que a Petrobras está hoje ela já está bastante “privatizada”, no sentido das ações da empresa. Com empresas privadas atuando, o controle social fica mais difícil. Sindicatos fortes também ficam mais difíceis de serem construídos. Para exploração de petróleo é melhor uma Petrobras estatal, mas não podemos deixar de considerar que ela é uma empresa muito grande e com um poder de influência violento nos governos municipais e estaduais. Os questionamentos surgem quando vemos que há dinheiro para novas tecnologias e para a exploração do Pré-Sal, mas não há dinheiro para indenização de pescador, de agricultor. E dentro dela ainda há grupos ligados a partidos diversos em gerências e chefias, indicados ainda no período da ditadura ou por grupos que se sucederam no poder. Muitos controlam áreas da empresa de forma insensíveis a essas questões.

                BMA - Quais são as perspectivas que o movimento social brasileiro deve ter em suas lutas a favor do meio ambiente e contra as injustiças sociais?

                SR - É uma pergunta muito angustiante. Mas eu vejo uma perspectiva de crescimento, pois discussões como nessa entrevista há dois anos praticamente não existiam e hoje temos grupos organizados no Brasil, a exemplo do Fórum dos atingidos pela indústria do Petróleo e Petroquímica no Espírito Santo que teve sua criação inspirada no FAPP- BG. E esse livro é importante, pois reune casos de várias partes do Brasil buscando discutir petróleo de maneira mais crítica.
                                                                                       
                BMA - É possível haver Justiça Ambiental no sistema capitalista?

                SR - Nesse ano, nós do FAPP-BG organizamos o III Seminário de Justiça Ambiental, Igualdade Racial e Educação. O professor e sociólogo Robert Bullard foi um dos participantes. Ele estudou o movimento negro norte-americano desde os idos dos anos 60 numa época em que eles começam a perceber que as indústrias perigosas e usinas nucleares se localizavam perto dos pobres de maioria negra. O discurso governamental negava essa contestação, mas a luta continuava em afirmar essas disparidades quanto à distribuição dos empreendimentos indesejáveis no território estadunidense.
                Já nos anos 80, Bullard fez uma pesquisa com financiamento de uma igreja evangélica norte-americana – é importante destacar que não foi nem governo e nem universidade que deu os subsídios para essa pesquisa – com o intuito de avaliar a implantação de empreendimentos indesejáveis nos EUA e o seu processo de instalação. Observou-se uma grande “coincidência” na proximidade entre esses empreendimentos e populações pobres de maioria negra -não apenas os pobres recebiam os maiores danos, como os pobres de maioria negra recebiam quase duas vezes mais que os pobres de maioria branca. Essa situação era construída pelo próprio governo. Então cunharam a expressão “racismo ambiental”. Em 91, organizaram um Colóquio com movimento negro, com sindicalistas, indígenas e movimento ambiental onde se criou a noção de Justiça Ambiental e Injustiça Ambiental. 
                Essa pergunta foi feita ao professor Bullard num evento na UFRRJ de Nova Iguaçu, e ele respondeu simplesmente: não. E de fato, para alcançarmos a justiça Ambiental é necessário proteger as populações mais vulneráveis de todas – porque se você proteger a classe média, ela desloca o risco para o pobre, por sua vez, se protegermos o pobre ele irá deslocar o risco para os mais pobres, e assim, seguiria essa tendência, caso protegêssemos os mais pobres, os miseráveis receberiam os riscos – para que ocorresse uma subversão em que os mais vulneráveis deslocassem os riscos para camadas com maior poder de organização, para então se pensar uma alternativa. O movimento por Justiça Ambiental tem como preceito para sustentabilidade a equidade social e justiça socioambiental. Ele entende que tem que ter diálogo de igual para igual e respeito ao olhar cultural das populações.  Logo, o saber popular do indígena ou camponês deve ser valorizado tanto quanto o saber científico. 

                BMA - Para você o que substituiria o petróleo como matriz energética?

                SR - A melhor maneira é discutir o modelo que corresponda a cada contexto local. Se você tem um programa federal de agro combustível, por exemplo, pode gerar vários impactos locais sem que a população tenha participado da elaboração desse programa. Teve um projeto de mamonas para produção de bicombustível no Maranhão que estava ameaçando a cooperativa de quebradeiras de coco de babaçu que lutaram por muito tempo para ter acesso às palmeiras. Há um entendimento que você tem que discutir o projeto de energia com a participação de todos os impactados, além de pesquisadores etc., para que esse projeto atenda as necessidades e peculiaridades do contexto local. Conjugar isso sem tirar da mente perguntas como “Energia para que?”, “Qual o modelo de desenvolvimento que nós queremos?”.
                Outro exemplo, a energia eólica se faz mais necessária de acordo com a demanda da comunidade, sem necessidade de grandes geradores, mas de acordo com a demanda. Pode haver uma revenda de energia para o sistema, mas não precisa ter fazendas eólicas que alteram o modo de vida daquela população. Com a energia solar pode ser a mesma coisa. Há uma experiência com energia solar em uma fazenda, mas as pessoas estão sendo expulsas. A energia pode até ser mais limpa, porém a implantação é suja. A quem essa energia vai servir? É para o aumento do consumismo, para atender siderúrgica, petróleo? A implantação é viável do ponto de vista socioambiental? Qual o modelo é a mais viável no contexto local? Para que vai servir essa energia? Qual a participação da comunidade nesse projeto? Qual a participação da sociedade brasileira na elaboração da política energética do país?


Sebastião Raulino
Doutor em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ), mestre em Ciência Ambiental (UFF), especialista em Educação para Gestão Ambiental (UERJ), licenciado em Ciência Biológicas e coordenador do Fórum dos Atingidos pela Indústria do Petróleo e Petroquímica nas cercanias da Baía de Guanabara (FAPP-BG)

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