terça-feira, 8 de maio de 2012

Não há sustentabilidade sem paz

Por André Trigueiro, Revista GQ, maio 2012

É impressionante o volume de recursos que a indústria armamentista movimenta no Brasil e no mundo. O que sobra para armas e munições, falta para o desenvolvimento sustentável.

A Universidade de Heildelberg – a mais antiga da Alemanha – revela a cada ano a quantidade de guerras em andamento no planeta. Em 2011 o número de conflitos internacionais triplicou e alcançou o nível mais alto desde 1945. De acordo com o levantamento, existiriam hoje no mundo 20 guerras e 166 conflitos armados. E a tendência em 2012, ano da Rio+20, seria esse número crescer ainda mais. Boa parte dos países que se reunirão no Brasil em junho para debater os rumos do desenvolvimento sustentável participam ativamente dos chamados “jogos de guerra” auferindo lucros fabulosos com a venda de armas, munições e toda sorte de artefatos bélicos para clientes nem sempre identificados com clareza pelos respectivos governos.

Na condição de anfitrião, o Brasil não faz feio no ranking dos países que mais exportam armas. Dados apurados pela Agência Pública de Reportagem e Jornalismo Investigativo junto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, revelam que o valor das exportações de armas leves triplicou entre 2005 e 2010, chegando a US$ 321,6 milhões. Foram quase 4,5 milhões de armas exportadas no período. O Exército se nega a informar detalhes sobre os negócios, mas a informação sempre aparece, ainda que de forma acidental. Foi assim quando se descobriu que minas terrestres de fabricação brasileira foram usadas pelo governo da Líbia contra os que combateram as forças do regime do ditador Muamar Khadafi. No Bahrein, manifestantes fotografaram bombas de gás lacrimogêneo com a inscrição“made in Brazil”(e a bandeira nacional ao lado do prazo de validade do artefato) que seriam usadas na repressão aos que combatiam a monarquia em pleno embalo na Primavera Árabe.

Os Estados Unidos do democrata Barack Obama – que vem defendendo publicamente a redução do arsenal atômico em escala mundial – lideram com folga o mercado internacional de armas leves ou pesadas com 43% de tudo o que é comercializado. Segundo a agência de notícias russa RT, os 100 maiores fabricantes de armas do mundo faturaram 411,1 bilhões de dólares em plena crise econômica internacional. No top 10 do ranking das maiores empresas do setor, sete são americanas. Ainda segundo a agência, o mercado de armas cresce 22% ao ano no mundo e as perspectivas de negócio são animadoras especialmente nos países emergentes.

Não é possível ainda imaginar um mundo totalmente sem armas e a aquisição de armamentos contribui em certa medida para a manutenção da paz e da ordem entre os países. Mas a farra da indústria armamentista esvazia a perspectiva de construirmos um modelo efetivo de desenvolvimento sustentável. A economista e escritora Hazel Handerson fez a conta e chegou a um resultado interessante: com apenas 25% dos gastos militares anuais em todo o mundo seria possível oferecer em relativamente pouco tempo água limpa, saúde e habitação para todos os seres humanos, eliminar a fome e o analfabetismo, proporcionar energia limpa e renovável, além de outros importantes benefícios em escala global. Debater sustentabilidade sem questionar frontalmente os abusos da indústria armamentista, é seguir o rumo de uma bala perdida.

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