segunda-feira, 4 de março de 2013

Conhecimento em alta. E daí?

O clima não está bom nas negociações ambientais. Fonte: NASA


Por: Carla Almeida
Publicado em: Ciência Hoje Online

O novo relatório de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que pode sair ainda este ano, não deve trazer muita novidade em termos de cenários futuros para o clima da Terra. A quinta edição do documento, que se tornou peça-chave no debate sobre o aquecimento global, impressionará mais pelo volume de conhecimento consolidado em suas mais de 3 mil páginas.

Esta foi basicamente a única informação sobre o relatório adiantada por Carlos Nobre e Luiz Pinguelli Rosa em encontro com a mídia durante a VII Conferência e Assembleia Geral da Rede Global de Academias de Ciências, realizada esta semana, no Rio de Janeiro. Os pesquisadores-gestores são referências importantes no debate nacional sobre as mudanças climáticas e estão envolvidos na elaboração da publicação.

Segundo Nobre, engenheiro do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e atual secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência e Tecnologia, investimentos maciços na área nos últimos anos levaram a um salto da produção de conhecimento sobre as alterações no clima. “Os avanços foram muito rápidos; praticamente dobraram”, disse.

O engenheiro explicou que nos relatórios do IPCC há uma seção dedicada a lacunas no conhecimento sobre o clima do planeta e que um esforço enorme de pesquisa vem sendo feito para preenchê-las. Na sua avaliação, isto tornará o relatório do IPCC mais sólido e as evidências mais robustas em relação ao impacto negativo dos gases de efeito estufa produzidos pela ação humana no clima do planeta.

Em nível internacional, os últimos encontros da Organização das Nações Unidas (ONU) – sejam os climáticos, de diversidade biológica ou de desenvolvimento sustentável – praticamente não avançaram nas metas globais que dizem respeito ao meio ambiente. A Rio+20, no ano passado, deixou a desejar especialmente nas negociações sobre o clima. Os governos deixaram de lado alguns pontos essenciais do debate, como a criação de um fundo global para gerir danos causados por eventos climáticos. “Estamos brincando com o planeta Terra de maneira irresponsável e isso terá consequências graves”, disse Nobre, batendo na mesma tecla de sempre, mas com menos otimismo do que no passado.Mas enquanto os dados científicos sobre o clima se fortalecem, as negociações políticas na área vão mal – e não é preciso ser especialista para ver isso. Desde a Conferência do Clima de Copenhague, em dezembro de 2009, quando vários chefes de Estado se reuniram para negociar ações de combate ao aquecimento global – inclusive Obama e Lula –, não há motivos concretos para se acreditar que o mundo será capaz de reverter o cenário preocupante previsto pelos relatórios anteriores do IPCC para as próximas décadas.

Constata-se, portanto, que a disponibilidade de mais evidências científicas e o consequente avanço do conhecimento na área não têm necessariamente impacto prático, ou seja, não estão se revertendo em medidas concretas de combate aos problemas que se impõem. Nacionalmente a situação é ainda mais crítica. “Aumentamos muito o consumo de gasolina, diminuímos proporcionalmente o do etanol, estamos com todas as termelétricas ligadas atualmente queimando todos os combustíveis, alguns dos quais muito poluentes... O momento não é bom”, destacou Pinguelli, que já dirigiu a Eletrobras e é o atual diretor da Coppe/UFRJ. Até em relação à nossa taxa de desmatamento, que atingiu redução recorde no ano passado, o cenário é desfavorável. Já há indícios de que nos últimos meses de 2012, ela subiu significativamente.

Mais armas contra “difamadores”?

Se as provas científicas não são capazes de orientar as negociações, quem sabe não sirvam para afastar os argumentos daqueles que questionam a tese do IPCC de que o aquecimento global é resultado direto das atividades humanas? Esta pareceu ser, de certa forma, a expectativa de Nobre e Pinguelli.

Para Nobre, não é mais possível contestar cientificamente os indícios dessa associação. “As evidências são avassaladoras; o clima está mudando numa velocidade que a Terra não vê desde alguns milhões de anos”, destacou. Apesar da convicção, verifica-se um cuidado maior por parte de ambos os especialistas em expor em seus discursos as fragilidades inerentes à ciência – após duras críticas à maneira como os dados científicos sobre o clima, um sistema complexo e repleto de imprevistos, vinham sendo divulgados, muitas vezes como conclusões precisas.

“A ciência, ao contrário do que o vulgo acredita, não é o domínio da verdade absoluta”, colocou Pinguelli. “A ciência é o domínio onde sempre há margem de dúvida. Trabalhamos com isso. O IPCC vive permanentemente se corrigindo, se aperfeiçoando, trabalhando com as teorias e resultados mais atuais. O episódio que ganhou a imprensa é um episódio trivial da vida da ciência. Não há razão para desprestigiar o trabalho do IPCC.”

Apesar do impacto negativo na opinião pública dos escândalos envolvendo o IPCC e de ambos defenderem veementemente o trabalho do órgão, Nobre e Pinguelli concordaram que tais polêmicas teriam servido para tornar seus relatórios ainda mais rigorosos. Com mais evidências e menos erros, faria sentido esperar menos controvérsias na divulgação do próximo relatório do órgão. Será?Na opinião de Nobre, a “campanha de difamação do IPCC” é coordenada pelos mesmos advogados norte-americanos que na década de 1970 encabeçaram um movimento contrário às evidências dos malefícios do cigarro à saúde e que conseguiram adiar uma legislação mais restritiva ao tabaco. Agora esses advogados estariam respondendo aos interesses de um setor conservador específico da indústria fóssil, responsável por 20% do PIB mundial. Mas, indagado sobre o que pesquisadores brasileiros estariam ganhando com a difamação do IPCC, Nobre não soube responder.

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