quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Chama o síndico?

O texto abaixo foi escrito pelo jornalista Denis Russo Burgierman, e publicado em seu blog "Sustentável é Pouco". Apesar de ter sido publicado a mais de um ano, ele continua atual, e pertinente principalmente no período eleitoral no qual nós nos encontramos.


Quando queima a lâmpada em casa, você compra uma lâmpada nova, sobe num banquinho e troca. Quando é um problema um pouquinho mais sério, sei lá, um chuveiro elétrico queimado, você talvez chame um eletricista e pode ficar sem banho quente por algumas horas. Quando entope a saída de esgoto, aí é mais sério: você bem possivelmente vai procurar uma boa empresa especializada, a não ser que tenha um encanador de muita confiança.

Pois bem: e se sua casa entrar em colapso? Todos os aparelhos elétricos começam a queimar, alguns com explosões, água suja sobe dos ralos, o teto se enche de goteiras, as paredes, de rachaduras, os armários, de ratos e insetos. O que você faz? Chama o síndico do prédio para “dar um jeitinho”?

É fácil comprovar a incapacidade do poder público 
de lidar com complexidade: basta olhar para cima
 e ver uma instalação elétrica. Você contrataria
 esse eletricista? Foto: DRB (CC)
É bem isso que está acontecendo nas grandes cidades brasileiras: um colapso. O sistema de trânsito e mobilidade urbana é uma porcaria. As pessoas passam mais tempo tentando chegar nos lugares do que em casa com a família, e todo dia uma centena de brasileiros morrem no caminho. O sistema de coleta de lixo é de uma tosqueira assustadora: algo como zero é reciclado ou compostado e os aterros crescem como cânceres. O asfalto está rachando em toda parte, porque a água da chuva não tem por onde escoar e se infiltra entre o piso e o solo. O clima está mudando rápido, com consequências desastrosas, e enchentes e deslizamentos ficam cada dia piores. O espaço público é horroroso: barulhento, fumacento, perigoso.

Diante de um colapso desses, nossas cidades tomaram uma decisão: chamaram o “síndico” e pediram para ele “dar um jeitinho”. É isso que as administrações públicas municipais brasileiras são: síndicos. São capazes de trocar uma lâmpada, ou, num dia inspirado, o fusível de um chuveiro, mas certamente não são habilitadas para lidar com colapsos e para repensar sistemas.


Nas últimas décadas, as grandes cidades se tornaram milhões de vezes mais complexas do que eram antes. Milhares de quilômetros de solo foram asfaltados, milhões de quilômetros de cabos foram estendidos, rios foram enfiados debaixo do chão e canos furaram tudo. Esse trabalho tem sido feito como um síndico faria: na base do “jeitinho”. Os profissionais que trabalham nas prefeituras podem até ser simpáticos e inteligentes, mas no geral não fazem ideia de como se lida com um sistema complexo: sabem apenas de suas respectivas áreas.

Mesmo nossos prefeitos são imensamente limitados. Pegue como exemplo Gilberto Kassab, aqui em São Paulo. Certamente parece um bom sujeito, e ninguém tem dúvida de que seja inteligente. Mas quantas vezes ele já veio a público para discutir a fundo grandes questões urbanas? Ele não discute porque não entende absolutamente nada sobre cidades. Kassab fala, e bem, sobre articulações partidárias, estratégias políticas, táticas eleitorais. Diante das enchentes que estão assolando São Paulo e dos protestos contra o custo extorsivo do transporte público, ele reagiu mudando sua assessoria de imprensa.

Não vai ser assim que resolveremos nossos problemas.

Tenho a convicção de que as respostas para as grandes cidades brasileiras não vão vir das prefeituras. Elas virão de articulações amplas da sociedade civil, com participação decisiva da vibrante classe criativa brasileira e investimento maciço do setor privado. As prefeituras poderiam ajudar muito se fossem menos autoritárias e deixassem a cidade ajudar. Elas poderiam reduzir imensamente seu inchado quadro de funcionários e gastar muito mais com projetos inovadores, experimentais, criados por grupos de gente criativa apaixonada pela cidade.

Nossas cidades vão mal, muito mal. Nós brasileiros temos uma mania irritante de ficar com nhenhenhém resmungando dos políticos. Os políticos são ruins mesmo, mas a responsabilidade pela cidade não é só deles: é de todo mundo.

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