sexta-feira, 30 de outubro de 2015

PESQUISA ACADÊMICA E OS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: UMA CRÍTICA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL PRAGMÁTICA

Por William Cruz

        A relação entre conhecimento local, popular, tradicional e conhecimento científico é comumente vista de forma hierarquizada. No entanto, o conhecimento local nos ajuda a elucidar o conhecimento científico, ou, ainda, o segundo não existiria sem o primeiro em muitos dos casos. O descrédito com a ciência por parte das comunidades tradicionais, logo, emerge como uma grande questão para a pesquisa acadêmica. 

       A inserção no campo e o acesso as informações surgem como os principais desafios ao pesquisador, pois os aspectos culturais das comunidades influem diretamente nessa etapa da pesquisa. Por exemplo, acessar certo chá de uma comunidade indígena a fim de descobrir algum efeito terapêutico dependerá das regras sociais que envolvem o preparo e o consumo dessa substância. Enquanto algumas comunidades permitirão o uso para fins científicos, outras se comportarão de modo refratário o que depende se o chá pode ser consumido por todos ou só por certos indivíduos e etc.. 

      Outro elemento complicador diz respeito ao descrédito que a ciência vem sofrendo e a descrença de que o conhecimento científico pode contribuir positivamente para a comunidade. Diante disso, o pesquisador é forçado a estabelecer uma complicada negociação para que ocorra o comprometimento de benefícios mútuos, isto é, para que a comunidade também seja beneficiada com a pesquisa. 

      Para os campos do saber dedicados às questões ambientais, as implicações do modo em que ocorre a inserção no campo é candente. Compreender a relação da comunidade com o meio é um trabalho que demanda esforços. Entender como cada crença afeta os ecossistemas, como a simbologia gera a preservação de espécies e pressões sobre outras e os prejuízos culturais oriundos do nosso modelo de desenvolvimento requer uma imersão profunda nas comunidades. 

      As relações das comunidades tradicionais com o meio intermediado por suas crenças estabelecem uma harmônica simbiose – isso não significa a ausência de impactos. Entretanto, esses impactos não extrapolam a capacidade de resiliência do meio. São muitas as espécies conservadas por meio das regras atreladas às crenças tal como certos serviços ecossistêmicos como a água que carrega forte simbologia sagrada para tantas culturas. Podemos, então, afirmar que as comunidades indígenas, por exemplo, por meio de seu simbolismo e crença regulam e conservam o meio. 

     Frente a isso o pesquisador não pode se resumir a apenas coletar informações e dados, ou muitas das vezes será mesmo obrigado a não ser inerte por meio das negociações feitas para a inserção no campo, visto que os problemas ambientais criados pelo modelo produtivista – industrialista – consumista atingem essas comunidades perturbando a harmônica simbiose entre meio e comunidade.

     O choque do nosso modelo de desenvolvimento com essas culturas acarreta sempre perdas de aspectos culturais, o comprometimento de seus ritos e rituais e prejuízos a essas comunidades. Os conflitos socioambientais como disputa de território envolvem muito mais do que a apropriação de recursos para garantir a produção, mas também a preservação de saberes tradicionais e outros aspectos culturais. Ao preservar o modo de vida dessas comunidades estaremos preservando o rico conhecimento refinado por anos e intrinsecamente ligado ao meio. São técnicas de caça, de produção de medicamentos, vasto conhecimento de espécies desconhecidas pela ciência e etc. que se perdem com os impactos de grandes empreendimentos como barragens, portos e refinarias.

      Urge o papel da Educação Ambiental como instrumento de conscientização e preservação de nossa sociobiodiversidade. Ela atua justamente para tentar remediar ou, raramente, reverter os impactos socioambientais gerados pela reprodução capitalista. O que é discutível então se refere ao modo pelo qual vai ocorrer a atuação da educação ambiental: Qual será a sua abordagem? Frente aos conflitos, os interesses econômicos promovem um verdadeiro rolo compressor de injustiças socioambientais. Essas comunidades são tão reificadas quanto o próprio meio. E por isso podem receber toda a carga de externalidades e danos oriundos da implantação dos empreendimentos. Por isso, elas podem ser extraídas do seu meio e realocadas em outro, desenraizadas do seu modo de vida e desconectadas de sua ancestralidade.

     A Educação Ambiental de visão reducionista e pragmática quando tratar dessas questões reforçará os danos e prejuízos sobre as comunidades. É sabida a incompatibilidade do que entendemos como sustentabilidade e conservação com o nosso desenvolvimento. Porém, a irreparabilidade dos impactos não pode dar espaço para o não enfrentamento e a não transformação desse modelo. Tendo isso em vista, o seu discurso derrotista sustentará uma educação ambiental voltada para a conscientização ambiental por parte da comunidade atingida. Ou seja, a compensação pelo dano ao ecossistema deverá partir daquele que também recebe os impactos e os danos. Logo, é evidente que a conscientização ambiental nessa perspectiva serve para reforçar os danos e os impactos. 

      No campo, o pesquisador será confrontado por essas e outras questões, fará escolhas difíceis e arcará com duras consequências. No entanto, ao escolher trabalhar com comunidades tradicionais e atuar na educação ambiental, deverá escolher entre a manutenção acobertada de boas intenções do modelo de desenvolvimento vigente ou se comprometerá com o empoderamento desses sujeitos. E ir contra o adestramento travestido de conscientização, pois amordaça essas comunidades já vulneráveis.