segunda-feira, 15 de março de 2010

Um Índio Tuiávii

Agora você vai ler um texto que foi produzido por um índio; o índio Tuiávii, chefe da tribo Tiaveiá, na Polinésia. O texto foi recolhido pelo antropólogo Erich Scheurmann.
Definição: “Papalagui” é a palavra usada pelo índio para se referir a nós, que não pertencemos à cultura deles.
O Papalagui procura inventar sempre novas coisas. As suas mãos tornam-se febris, o rosto cor-de-cinza, as costas curvas; seu olhar se ilumina de alegria quando consegue fazer uma nova coisa. E todos logo querem ter a nova coisa: adoram-na, contemplam-na, cantam-na em sua língua. [...]
O Papalagui é pobre porque é obcecado pelas coisas, sem as quais já não consegue viver. Quando do dorso da tartaruga faz uma ferramenta com que alisa os cabelos, depois de neles passar óleo, o Papalagui ainda faz uma pele para a ferramenta e para esta pele faz um pequeno baú e para o pequeno baú faz outro grande; tudo ele coloca em peles e baús. Tem baús para as tangas, para as roupas de cima e de baixo, para os panos com que se enxuga, com que limpa a boca, e outros panos mais; baús para as peles que põe nas mãos e para as peles que põe nos pés, para o metal redondo e o papel pesado, para as provisões de boca e para o livro sagrado, para tudo, para tudo mesmo. Ele faz muitas coisas quando apenas uma é suficiente, ele faz inumeráveis coisas.[...]
O Papalagui embriaga de todas as formas o seu espírito e se convence de que não pode viver sem as coisas, tal qual o homem não vive sem comida. [...]
Quem poucas coisas tem julga-se pobre, sente-se triste. Não há Papalagui que cante, que seja alegre, se só tiver, como cada um de nós, apenas uma esteira e um prato. Os homens e as mulheres do mundo dos Brancos sofreriam em nossas cabanas e correriam a buscar madeira do bosque, carapaças de tartaruga, vidro, arame, pedras coloridas e muitas outras coisas; e poriam suas mãos em movimento, da manhã à noite, até que as suas casas se enchessem de coisas pequenas e grandes; coisas que se estragam com facilidade, que qualquer fogo, qualquer grande chuva tropical destrói, sempre obrigando a fazer outras novas. [...]
Os homens brancos gostariam de trazer para nós os seus tesouros, suas coisas, para que nós também fôssemos ricos. Estas coisas, no entanto, não são mais do que flechas envenenadas que matam aqueles em cujo peito se penduram. "Precisamos obrigá-los a ter necessidades", ouvi da boca de certo homem que conhece a nossa terra. Necessidades, quer dizer, coisas. "Pois só assim eles terão verdadeiro gosto pelo trabalho", disse então o homem inteligente. Queria dizer que nós também devemos pôr as nossas mãos a trabalhar, fazendo coisas; coisas para nós, sim, mas em primeiro lugar coisas para o Papalagui. [...]
As coisas deles é que valem muito, é que valem mais. No entanto, as coisas dele que são tantas e tão relampejantes e cintilantes, que atraem e seduzem tanto e de tantas formas, até hoje não fizeram mais bonito o corpo do Papalagui, não lhe deram mais brilho aos olhos, não lhe fortaleceram o juízo. Portanto, essas coisas de nada servem; o que o Papalagui diz, o que nos quer impor, é animado pelo espírito mau e seu pensamento é carregado de veneno.

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